´Estamos passando por um momento muito difícil´, diz presidente da CDL

Anselmo Clement
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Quando foi eleito vice-presidente da CDL de Ilhéus, compondo a chapa ao lado do empresário Valderico Reis Júnior, Anselmo Clement já sabia que, em março deste ano, assumiria a entidade numa condição que considerava como sendo “uma passagem tranquila”. A ideia era dar continuidade ao trabalho iniciado por seu antecessor, ampliando o quadro de associados e fortalecendo as ações da CDL junto aos comerciantes locais.

Em março, tudo mudou. O planejamento proposto teve que ser esquecido. Clement teve que assumir a entidade no mesmo momento em que a pandemia da Covid-19 começava a crescer em Ilhéus. “Um furacão”, ele define aquele momento. “Foi tudo pro chão”, lembra sobre o planejamento inicial que tinha traçado.

Com grande parte do comércio fechado por quase 100 dias, o presidente da CDL agora comanda um dos momentos mais difíceis de uma das atividades mais importantes na economia da cidade.

Nesta entrevista exclusiva concedida ao Jornal Bahia Online, Anselmo Clement fala do recomeço, diz que o comércio não pode ser responsabilizado pelo mais recente aumento no número de casos da Covid-19 e assegura que é preciso que o empresário local entenda que o segmento terá que se adaptar ao que considera um “novo normal” a partir do fim da pandemia.

Confira.

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Presidente, estamos com o comércio aberto, como vocês queriam. Mas as pessoas, os consumidores, estão com dinheiro para comprar?

Há um movimento mundial durante a pandemia onde as pessoas estão necessitando ser mais cautelosas comprando somente o necessário. Muitos perderam renda, ficaram desempregados. Hoje ainda há muita gente com medo de perder emprego.  O ritmo de compra tem sido menor e mais lento e muitas pessoas têm optado pela compra online que se consolidou como alternativa segura e prática. Estamos passando por um momento muito difícil, de readaptação. Algumas lojas vendendo um pouco mais que as outras, mas nenhuma delas conseguindo chegar ao patamar de vendas efetivadas antes da pandemia. Com certeza, esse momento ainda vai durar por alguns meses.

Quais os maiores impactos que o comércio sofreu até aqui e que estratégias devem ser adotadas a partir de agora para a recuperação deste importante segmento da economia local?

Além de atender a um público local, o comércio de Ilhéus é também procurado por consumidores de municípios circunvizinhos e por turistas, especialmente em feriados e na alta estação. Por enquanto a nossa estratégia está voltada para estimular o cliente local. Uma ação, inclusive, nos bairros, né. Na conversa que tivemos com a Prefeitura, a gente não foi autorizado a realizar nenhum tipo de campanha de estímulo às vendas. A gente tem que estar aberto sem campanhas que forcem o cliente a sair de casa e ir para o comércio, por que não podemos passar uma só sensação de que o problema da pandemia, do vírus, já passou. Não pode haver campanha de estímulo à vendas, por que não pode haver aglomeração.

"Tá difícil, muito difícil. Vamos ter que aprender a conviver com este ´novo normal´."

A CDL é parceira do Serasa. Como está a questão de negativação de consumidores? Aumentou?

Essa é uma pergunta que, infelizmente, não tenho como responder agora. Tenho informações de inadimplência muito grande. Mas esse é um momento delicado e as empresas não estão negativando seus clientes. Então não tenho como te passar informações reais, concretas, disso.

A gente observa os cuidados da loja, limite de clientes, álcool em gel, distanciamento. Mas quando olha para as ruas, encontra aglomerações, gente sem máscara, falta de cuidado. A abertura de mais uma etapa do comércio não terminou passando a sensação para a população de que a pandemia é coisa do passado?

Essa é uma pergunta delicada. Não acredito que mesmo com a abertura da segunda ou terceira fase a gente vai passar um posicionamento de que a população está livre da pandemia. O trabalho que a CDL faz é de conscientização. Mesmo com algumas lojas reabertas, o nosso apelo é para que as pessoas só saiam de casa se for necessário e seguindo todas as normas de higiene e de distanciamento social. Ficamos quase 80 dias com o comércio fechado, apenas com serviços essenciais funcionando. E, no nosso entendimento, já tinha dado tempo suficiente para os governos municipal, estadual e federal, montarem uma estrutura que garantisse uma reabertura gradual, responsável, ajudando os empresários a não fecharem suas portas.

"Em janeiro, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregos), o comércio de Ilhéus tinha 25.831 funcionários de carteira assinada. No início de maio, tínhamos 24.430, mil postos de trabalho a menos que em dezembro. Só em abril, foram demitidos, em Ilhéus, 957 funcionários com carteira assinada."

As vendas não seriam as mesmas nem assim...

... As vendas, claro, não seriam as mesmas, por que sabemos que não é o momento para relaxar. Mas agir com precaução. Precisamos nos adequar a um novo normal. Eu comecei a observar detalhes que, anteriormente, não observava. Olho o comportamento dos lojistas no centro, nos bairros, e vejo uma total segurança. Não estou criticando, que fique claro: eu vejo a Feira do Malhado, por exemplo, aberta todos os dias. O cliente chega lá, não tem álcool em gel, não lava as mãos, o chão não é limpo. Então... assim: onde é mais seguro hoje para você comprar? Em um comércio que está totalmente adaptado para atender ao seu cliente? Ou na feira? Repito: não estou criticando. Mas assim a gente começa a se posicionar de uma forma para afirmar que estamos no caminho certo e que temos a aprender a conviver com a doença, por que ela vai demorar, não vai acabar agora. O importante é passar segurança para o nosso cliente.

Registra-se um aumento de casos positivos, nos últimos 20 dias, a partir da reabertura do comércio. A que o senhor atribui isso?

Resposta complicada. Chegamos a um período de inverno, complica. Houve várias reuniões nossas com o Gabinete de Crise. E todas as reuniões que conversamos, nós sempre sabíamos que o número de casos iriam aumentar. Porém, foram mostradas para a gente as taxas de contaminação que teriam que ser atingidas. Isso é o principal. A gente pode estar analisando... Ilhéus já tem mil casos, dois mil casos... mas o importante é a gente prestar atenção de qual é a taxa de contaminação. Se eu não me engano... hoje, a taxa de contaminação está em 3,7%. Se mantiver esse índice, acho que a gente consegue abrir a terceira fase no dia 1º. Teve um crescente no número de testes. Quando reabrimos a segunda fase, no início do mês de junho, a taxa estava em 2,8%. Ressaltamos que da parte das lojas, elas têm seguido todas as recomendações de segurança. Se o comércio está aberto é por que existe um entendimento de que não representa um risco para a população. Muito pelo contrário.

"É nítido que muitas lojas não tiveram fôlego para sobreviver e muitas outras não vão reabrir." 

A continuidade na paralisação dos ônibus prejudica o comércio?

Não tenha dúvida que a falta de ônibus está sendo complicada. O transporte municipal não era para ser parado. O transporte alternativo está atuando e com valores absurdos. Desde quando reabrimos a segunda fase está sendo uma reclamação geral. Ficou absurdo e tem complicado o setor. Complica as pessoas que precisam se deslocar para compromissos, os colaboradores das lojas. E quem acaba pagando isso é o comerciante. A gente já não está tendo uma venda expressiva e começou a ter um custo alto no transporte. Como é que uma pessoa vai sair de casa para fazer um exame de rotina? A gente só consegue ter uma noção do que está acontecendo quando sai do nosso bolso. Nos grandes centros não parou. E quem parou já voltou. Nosso questionamento não se baseia apenas na necessidade de quem precisa vir ao comércio, mas ao direito de transportar com qualidade, um serviço essencial, com qualidade e segurança. Te pergunto: onde se faz um distanciamento maior? Num ônibus ou num carro alternativo cheio de pessoas?

Quantas empresas já fecharam as portas nesta crise?

Não temos esse dado preciso. A gente descobre junto com as placas de aluga-se expostas ou a fachada fechada já por algum tempo. Algumas lojas têm tornado público o encerramento das atividades e a Juceb (Junta Comercial do Estado da Bahia), onde deve ser dado baixa, está fechada. Ainda não temos condições de dar um número exato disso. É nítido que muitas lojas não tiveram fôlego para sobreviver e muitas outras não vão reabrir. Dia 20 de junho foram 90 dias fechados. A prefeitura fala em 100 dias para a terceira fase e 115 dias para a quarta fase. É muito tempo, é muito complicado, tá bom?

"O transporte municipal não era para ser parado. O transporte alternativo está atuando e com valores absurdos. (...)onde se faz um distanciamento maior? Num ônibus ou num carro alternativo cheio de pessoas?"

O senhor tem ideia do reflexo desta crise no número de empregos formais na cidade?

Em janeiro, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregos), o comércio de Ilhéus tinha 25.831 funcionários de carteira assinada. No início de maio, tínhamos 24.430, mil e quatrocentos postos de trabalho a menos que em dezembro. Só em abril, foram demitidos, em Ilhéus, 957 funcionários com carteira assinada. Eu acredito que em maio esse número estará igual ou maior. A informação junto ao Caged ainda não chegou às minhas mãos.

"Eu vejo a Feira do Malhado, por exemplo, aberta todos os dias. O cliente chega lá, não tem álcool em gel, não lava as mãos, o chão não é limpo. Então... assim: onde é mais seguro hoje para você comprar? Em um comércio que está totalmente adaptado para atender seu cliente? Ou na feira?"

Como a CDL recebeu o anúncio de que o MP sugeria fechar novamente todo o comércio, após um acordo para a reabertura gradual?

Tomamos como surpresa. A gente passou por todas as fases do Comitê de Crise com a presença do promotor. Ele entrou com uma manifestação para o fechamento e o juiz ficou de decidir. Ficamos tensos. O juiz foi prudente, cauteloso. Todos os lojistas que estão abertos, a gente consegue hoje dizer que estamos respeitando rigorosamente todas as medidas sanitárias necessárias. É um momento de adaptação, correção, que devemos ter isso como experiência. Estou confiante em abrir a terceira fase na próxima quarta.  Tem que ser gradual mesmo e a gente tem que aprender a viver com esse momento complicado. Tá difícil, muito difícil. Vamos ter que aprender a conviver com este “novo normal”.